segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Sinopse e Análise Crítica - A Casa de Papel


Sinopse:

O caráter fetichista das coisas que cercam o homem foi abordado em obras de Karl Marx, mais especialmente em O Capital. Nessa Crítica da Economia Política o filósofo social alemão destaca a insana lógica dos tempos pós-industriais de multiplicar o valor das mercadorias, por conta de uma projeção social estabelecida pelos homens. Considerando a conexão etimológica entre “fetiche” e “feitiço” (do latim facticius, que significa “fictício", "artificial”) viveríamos então o contrasenso daquilo que sociologicamente se define como o “valor de uso” de uma mercadoria, ou seja, o valor que ela recebe apenas por aquilo em que é útil.

A Casa de Papel de Carlos Maria Dominguez fala sobre a insanidade causada pela dedicação obsessiva de um homem que não encontra limites sobre a sua vontade de acumular mecadorias, nesse caso, livros.

Mas então qual seria o “valor de uso de um livro”? Creio que o livro traz consigo a prerrogativa de carregar o instrumento que distingue o homem dos outros animais. A palavra, transportada para esse veículo, multitemporaliza informações e conhecimentos, estimulando o que muitos chamam de sabedoria.

Carlos Brauer, o protagonista da historia, é um amante dos livros. Todos os cômodos da sua casa eram dominados por eles. Manuscritos, pergaminhos, livros antigos e raros ocupavam até mesmo o banheiro e, por isso, já não tomava banho quente, pois não queria que a umidade os prejudicasse.

A trama se desenvolve após a morte de uma professora de Lingua Hispânica (Bluma Lennon) em Cambridge por acidente (?), quando atravessava a rua lendo os Poemas de Emily Dickinson e foi atropelada por um carro. Essa personagem, uma amante ocasional do protagonista, pede-lhe que remeta um livro de Joseph Conrad chamado A Linha da Sombra, porém quem o recebe é seu substituto, que será o narrador da historia, contando relatos de sua investigação acerca dos motivos pelos quais fizeram com que esse livro chegasse – extremamente – sujo de cimento.

Ocorre que, após ver o catálogo, único meio de controlar imensa quantidade de livros, e suas anotações incendiarem-se, Carlos Brauer, desesperado, decide cruzar sua própria linha de sombra ao retirar-se a uma vida de solidão no litoral uruguaio e constrói, usando (e ao mesmo tempo destruindo) todos os seus livros como tijolos, uma casa de papel e cimento. Quando recebe o pedido de Bluma, passa a destruir a casa a marretadas, de modo a encontrar o livro dentro das paredes.

Com a mesma loucura que construiu sua biblioteca, Brauer quer destrui-la. O caráter fetichista de uma mercadoria multiplicada incessantemente pelos tempos e associada a uma mente insaciável e a um objeto que, originariamente é tão infinito quanto a possibilidade do homem em expressar seus pensamentos, traz ao leitor, esse personagem que, assim como o imediato transformado em capitão na obra de Conrad, precisa suplantar uma existência fictícia, alcançando assim uma maturidade mais humana, que apenas a vida, fonte indissociável dos livros, pode trazer.

           

 Análise Crítica:

A Casa de papel, apesar de um livro curto e dinâmico, traz em seu conteúdo doses grandes de literatura. Apesar de sua forma de escrever ser bem simples, o nível de referências usado por Carlos M. Rodriguez faz com que o leitor precise de um vasto repertório cultural para poder apreciar a obra em sua totalidade. Um dos fatores que mais chama atenção, é que cada referência, cada livro citado não está ali apenas como parte de uma descrição de uma realidade e sim para representar de alguma maneira o tom do capítulo ou alguma característica do personagem.

A obra é recheada de subtextos, que podem ser analisados de forma diferente por cada leitor. Enquanto a trama se desenrola e os personagens são mostrados, é percebido que o autor quer passar mais do que está escrito, porém sem ser literal ou explícito.

O livro trata da insanidade causada pelo excesso de leitura, da visão do livro como um ser vivo e da obsessão de tentar agregar o máximo de conhecimento. É visível que nenhum personagem da história tem a mente completamente sã, o que dá características únicas para cada um deles: o personagem principal que percorre o globo tentando saciar sua curiosidade, o bibliófilo traumatizado pelo amigo louco e o próprio Brauer que se isola em sua construção de papel.

Essa construção é a parte mais intrigante e digna de análises do livro inteiro, uma alegoria da utópica imersão no universo literário. Brauer, depois de se abster da maioria de seus bens materiais se isola em uma casa de praia em que as paredes são feitas com parte de sua coleção de livros, sendo os livros o equivalente aos tijolos. Sendo assim pode-se perceber que ele opta em viver em outra realidade, imerso em seus livros e cercado por eles. Talvez tanto ele como Delgado, Bluma e o professor gostariam de inconscientemente fazer a mesma coisa, porém faltou o que em Brauer estava sobrando.


Nenhum comentário:

Postar um comentário